domingo, 17 de maio de 2009

CINEMA OLHO

O cinema-olho de Dziga Vertov

O cinema-olho de Vertov é acima de tudo um método para captar o cotidiano num sentido de urgência, para absorver a realidade dos fatos e transformá-los aos olhos do espectador, para que eles se adequem a um novo princípio de sociedade, acoplando-se aos ideais da revolução socialista. Essa captação da realidade deve acontecer por meio de um processo mecânico, intermediado por uma máquina, através do olho mecânico da câmera. Para Vertov, a introdução da câmera na realidade a ser filmada não deve alterar a própria composição dessa realidade. O material filmado seria chamado de cine-fatos. A câmera, portanto, filmaria os fatos cotidianos assim como eles se apresentam, sem qualquer intervenção externa aos elementos de seu estado natural, num sentido de urgência e especialmente de imprevisto. Para a teoria de Vertov, há uma necessidade do registro das imagens sem que o processo de filmagens interfira no comportamento natural dessa realidade, isto é, os fatos do cotidiano precisam ser filmados sem que haja a consciência da existência de uma filmagem, o que poderia destruir a espontaneidade do registro. Por isso, Vertov era contra a maioria dos filmes russos da época, rotulados por ele de "filmes encenados". Para Vertov, a encenação seria um elemento artificial imposto à natureza intrínseca daquela realidade como ela se apresentaria naturalmente a nós. Esse elemento artificial destruiria a autenticidade do registro, não podendo mais ser chamado de cine-fato.
Pelo fato de Vertov ser essencialmente um documentarista, sua teoria guarda um profundo interesse pela noção de verdade. A verdade, para Vertov, não estaria imbuída nos fotogramas dos cine-fatos. Estes seriam apenas a primeira parte, a metéria-prima do legítimo processo de busca da verdade. A função do cineasta-engenheiro é exatamente reorganizar os cine-fatos, usando complexas associações rítmicas e espaciais, para construir uma verdade. Essa construção, portanto, só poderá ser obtida após o processo de montagem. Através do estudo do material coletado, pode-se realizar uma reorganição dos fatos fílmicos de modo a revelar para o espectador a estrutura intrínseca da realidade visível. Como afirma Gervaiseau (1999), Vertov usa procedimentos e métodos "para tornar visível o invisível, e autêntico o interpretado, graças ao cine-verdade: a verdade obtida pelos meios cinematográficos".
A montagem é fundamental para Vertov por meio da aplicação de sua teoria dos intervalos. Mais que o fotograma em si, o impacto na percepção do espectador é intensificado na relação de um fotograma com o próximo. (...)


(...)Desse ponto de vista, o cinema-verdade de Vertov está situado entre Eisenstein e Bazin. Para Eisenstein, é através da síntese entre dois planos surgida com a montagem, ou melhor, da colisão entre dois planos independentes, que o conflito dramático seria acentuado aos olhos do espectador. Por outro lado, Bazin defende a fotografia como um simulacro da realidade, ou melhor, a "ontologia da imagem fotográfica". O meio-termo de Vertov está em aceitar a apreensão da realidade na fotografia através dos cine-fatos e ao mesmo tempo dizer que a verdade só estará estabelecida a partir da construção por meio da montagem.(...)

Fonte: http://www.geocities.com/Hollywood/Agency/8041/vertov.html



Do texto "CINCO IMAGENS DE VERTOV" de Jean Rouch

Prefácio para o livro Dziga Vertov, de G. Sadoul
O "cinema-olho". Esta é a imagem de Dziga Vertov tal como ela aparece na página nove dos Cahiers du Cinéma de maio-junho de 1970. A sobrancelha esquerda um pouco estirada, o nariz apertado a fim de não mascarar a visão, as pupilas abertas a 3,5 ou 2,9, mas o ponto focal no infinito, vertiginosamente colocado, para além dos "soldados em assalto":"Eu sou o cinema-olho, eu sou o olho mecânico, eu sou a máquina que mostra o mundo como só ela pode ver. Doravante serei libertado da imobilidade humana. Eu estou em movimento perpétuo, aproximo-me das coisas, afasto-me, deslizo por sobre elas, nelas penetro; eu me coloco no focinho do cavalo de corrida, atravesso as multidões a toda velocidade, coloco-me à frente dos soldados em assalto, decolo com os aeroplanos, viro-me de costas, caio e me levanto ao mesmo tempo dos copos que caem e se levantam..."Nesse manifesto dos Kinoks [cinema-olho] de 1923, no qual o "mão na câmera" vale como "mãos na pluma e mãos na charrua", todo o cinema de amanhã (e não o de hoje, uma vez que nós não sabemos ainda fazer os filmes imaginados por Dziga Vertov) está já inscrito e, bem no meio do arquivo dos Kino-Glaz [câmera-olho] de 1924, aparece a segunda imagem de Vertov, a do "cinema-relance" ou "cinema-piscar-d’olhos", daquele que era ele mesmo o grupo dos Kinoks, dos terroristas do cinema da revolução: "No começo, de 1918 a 1922, os Kinoks existiam no singular, ou seja, eles não eram senão um só..."Em outro momento, a imagem muda. Na fotomontagem comercial de O Homem com a Câmera, ele desmente o sorriso da boca. É a provocação inquieta daquele que criara um filme que não terminamos ainda de entender e que, razão mais forte, não poderia fazer senão surpreender os espectadores já faz quarenta e dois anos.Em 1930, o "cinema-olho" foi enriquecido de uma "rádio-orelha" e, diante da mesa de montagem (ou do púlpito de gravação) de Enthousiasme, o olhar atento de um pesquisador de laboratório que está em vias de inventar o cinema sonoro e, na primeira tentativa, de introduzir o trovejar do som real das usinas de Donbass, em uma época na qual, no Leste assim como no Oeste, considerava-se que "os filmes sonoros deveriam ser filmados não ao ar livre, na barulheira das ruas, mas no interior de estúdios perfeitamente isolados..."Por isso, esse filme de luta e de pesquisa foi arrastado na lama, "mutilado, lacerado, asfixiado, ferido em combate". Sozinho, Charlie Chaplin compreendeu seu alcance e escreveu em 1931 a Dziga Vertov: "Jamais imaginei que os ruídos industriais pudessem ser assim ordenados e se tornar tão belos. Considero Enthousiasme uma perturbadora sinfonia..."E é um realizador irritado, também "ferido em combate", que, em 1933, empreende o projeto de um filme-afresco, considerado hoje em dia pelos soviéticos como sua principal obra, Três Cânticos para Lênin, gigantesco trabalho em arquivos visuais e sonoros, cine-poema épico sobre o chefe da revolução. Ao editar em "intervalos" os documentos de atualidades, ao jogar o tempo todo com o contraponto entre imagem e som, o tempo todo misturando legendas poéticas com imagens chocantes, Vertov introduziu pela primeira vez no cinema "a entrevista direta", os testemunhos cândidos de um misturador de cimento e de um agricultor de colcós. Mas esse filme veio muito tarde e muito cedo: à medida que os personagens históricos desapareceram da cena política, as tesouras da censura fizeram desaparecer as seqüências correspondentes e, hoje, não resta do filme mais do que uma versão truncada. (...)


Fonte: http://www.contracampo.com.br/60/cincoimagensdevertov.htm

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